sábado, 17 de julho de 2010

O que há de concreto em um feto?



Meu nome é Jorjão. E nem pense seja Jorge e eu o tenha colocado no aumentativo. É Jorjão mesmo! Sempre detestei os diminutivos que os pais colocam em nós para nos chamar quando crianças. Jorginho nunca foi comigo, Jorge é muito comum. Desde pequeno, já me tratava como Jorjão e assim sempre foi e será! Filho meu será atleta e não poeta! E eu penso ÃO, não inho.

Jorginho, Junhinho, Fabinho, são coisas de boiola. De cantores de pagode que tingem o cabelo de loiro e colocam brinquinho para agradar menininhas. Falando em samba, bons só do Zeca, do Martinho, do Neguinho (da Beija Flor) – esses inhos até perdôo – da Lecy BrandÃO... Samba? Samba não, SAMBÃO! Pra agitar o esqueleto e fazer a patroa requebrar. Pagode? Só no quinto dia útil do mês...

E o que falar dos sertanejos? Bons mesmo só os antigos. O modÃO sertanejo... As músicas do TIÃO Carrero, não essas duplinhas com calças jeans apertadas, quase entrando no rego e com bola de meia na frente para aumentar o volume... Calça apertada é para mulher! Se reparar na voz desses caras, são mais finas que das irmãs GalvÃO...


Delicadeza é para mulher... Elas nasceram para ser fracas. Feitas para nos servir e depender da gente. Se vangloriam por nos carregar por nove meses na barriga, pagamos com juros, pois as carregamos nas costas a vida inteira.



E essas que querem ser independentes? Conquistar seu espaço... Engraçado... Nunca as vi querer conquistar espaço para serem borracheiras, mecânicas, chapas, caminhoneiras... Só querem carginhos, diretoria... presidente...

Você já viu alguma mulher rica casando com pobre? Se são pobres, sonham em casar com homem rico, se são ricas, querem ser independentes...

 
Por isso não dou moleza. Meu pai disse que até para nascer, eu fui durão. A “velha” teve de fazer parto normal, coisa de mulher-macho e eu dei muito trabalho. Até para nascer eu já tinha personalidade! Talvez minha rebeldia ao deixar o ventre tenha sido por causa da covardia que há por aí, mas após dar um baita suador na velha, eis que aqui estou! Se o mundo é uma selva, o melhor é ser leÃO!


Por isso não nasci para perder! Chororô é para os fracos! O segundo é o primeiro dos perdedores! Se a muié chiar muito, eu boto pra correr.

Pra correr mesmo! Idiota de quem deixa a casa pra madame e ainda paga pensão para ela gastar com o RICARDÃO...


Foi assim com a última e agora estou de gata nova. Uma pichulinha lá da Zona Sul, mesmo bairro onde moram meus amigos JULHÃO, TONHÃO e PAULÃO! De vez em quando tenho que dar um perdido nela pra dar uns rolê cos cara...

Inclusive, ela também é durona, pois já botou marmanjo para correr por ter dado uns bolos nela. Mas homem que é homem, enrola sem dar na cara. Os bananas lá eram fraquinhos de idéia...

Já eu sou mais BONZÃO. Mostro pra ela como as coisas são. Tem que estar sempre cheirosinha, depiladinha, pois perna peluda quem tem é homem. E tem que ser depilação com cera quente, pois lâmina deixa o bagulho cerrado igual barba.


Ela até reclama que dói, pois se puxa os pelos todos de uma só vez, mas pra me possuir, tem que fazer valer o sacrifício, até mesmo ficar um final de semana em casa sozinha pra eu poder ir ver o MENGÃO e tomar umas com os amigos.

Claro que não sou Mané, então meus trutas me ajudaram e engrupir a gata, confirmando que eu estava doente. Como não tenho telefone na goma, a gatinha acreditou e jurou ficar em casa pensando em mim.


E o baratão foi da hora mano! O Mengão socou uns quatro. Depois, como tava sem grana para pagar o BUZÃO pra ir pra casa, meus trutas me convidaram pra passar a noite lá na goma deles. Se precisasse, com certeza a dona Dita arrumaria uns trocados pra poder pegar o circular.

A coroa foi firmeza, deu tanta grana que a gente até resolveu comprar umas cervas pra comemorar. Tomamos várias e antes de ir pro quarto, Tonhão preparou uma gororoba pra gente.


Tipo assim: Só tinha um fundo de arroz e feijão grudado no fundo de cada panela, pois sua mãe não nos esperava pra jantar. Então o Tonho tratou de juntar tudo numa mesma panela e jogou mais uns bagulhos lá dentro. Catchup, maionese, mostarda. Até mesmo o óleo da frigideira que a mãe do Julho tinha fritado lingüiça.

Mano! O barato ficou Bom! Está certo que quase quebrei o prato de tanto bater a concha tentando desgrudar o rango, mas dentro da boca, nem precisava mastigar e o bagulho descia macio. No final até teve briga pra raspar o fundo da panela, que é claro, o CARA aqui ganhou.


Como já era tarde, achei melhor bodar por lá. Usamos o resto’ da grana pra comprar mais cerva. A coroa arrumou um colchão e eu tratei de expulsar o Paulão pro chão, pois tomo conta do barato.

O quarto dos caras é para fora, porque a gente sempre chega de matina e não quer incomodar a velha. Tem TV e até um banheiro – sem porta, porque homem que é homem, não precisa fechar porta para passar um fax.


Até tava passando um filminho da hora, daquele americano que era concorrente do Rambo e agora é governador. Só que o filme era que ele estava grávido, mó comédia. Ri muito, mas logo apaguei com a tela ainda ligada.

Sabe aquele barato que você está dormindo, mas meio que acordado? Pois é, parecia que eu ouvia tudo o que falava na TV, só que o barato estava estranho. Tá certo, sempre quis ser o Scwarzenegga, durão, fortão, soca a bifa em todo mundo, mas esse papo de engravidar não é comigo não! E outra, por onde vai sair o bacuri?


Pombas mano! Acordei assustado porque o baratão tava louco! Senti até minha barriga estufada e o neném parecia que estava chutando. Olhei e a televisão tava desligada e os truta dormia. Senti um alívio, mas meu pesadelo resolveu me atacar acordado mermo! Meu filho queria nascer, mas se parecia mais com um bloco de concreto dentro de minha barriga!


E rugia igual quando nóis lá na obra deslizamo eles nas tábuas pro servente pegar lá embaixo.


Matei a charada, o rango do Tonhão não tinha feito digestão e parecia transformado em uma daquelas pedras que o resto de concreto forma quando cai no chão! Tentei arrotar pra dar uma aliviada, mas o bagulho saiu por baixo. O som foi igual quando a gente dá partida em um motor de polpa...


Logo depois o cheiro impregnou tudo. Olhei pros caras e eles ainda pareciam dormir, mas o Julhão, que estava ao meu lado começou a suar e os outros logo depois. Achei que também estavam grávidos, mas acho que foi o cheiro do neném prestes a chegar que os deixou assim.


Fiquei alguns minutos deitado achando que o barato ia passar, mas aí ele quis vir de uma vez. Ainda bem que o banheiro era do lado e por não ter porta, pude sentar na privada bem rápido. Não dava para abrir as pernas como as mulheres fazem no parto normal, então só torci para que outra coisa se abrisse e o pimpolho viesse logo.


Mas o danado puxou o pai e resolveu também me dar trabalho mano! Além de grande, devia ser cabeçudo igual meu avô e teimoso igual Jegue! Neste caso, preferia que fosse um Jegue, pois dizem que eles nascem pelos pés e não pela cabeça! Quando pensava que agora ia, um movimento de meus camaradas na cama, fazia o bagulho voltar pra dentro. De repente tive a sensação que não seria filho único e que brigavam entre si para sair. Mas o maiorzão anarquista ficava tomando a frente.


Nessa hora me lembrei da minha avó, que disse ter tido minha mãe de cócoras e levantei-me um pouco apoiando com as duas mãos na parede. Fazia força e nada... Acho que quando nascesse, ia ter que recorrer a pontos cirúrgicos para voltar meu orifício no tamanho normal...


Mano! Teve hora que deu vontade de chorar! Se o bagulho era de concreto, as pedrinhas deviam ser bem pontudas! Achei que se caísse de uma vez, iria até trincar o vaso!


Meu parto estava tendo complicações e não tinha ninguém para me acudir...


Comecei a pensar na minha mina e também na minha avó, que foi parteira e poderia voltar lá do tal de além pra me dar uma mão!


Resolvi me ajoelhar e fazer uma prece para o santo maior para me ajudar porque não conseguia dar um perdido no pivete...






Acho que nesse instante, algo mágico aconteceu... Não sei se for delírio por causa da dor, mas senti a presença de minha mina ali, como se estivesse do meu lado. Estendi a mão e ela pareceu segurar, me dando a maior força, tipo, como os marido faz naquela hora!



“Empurra! Empurra vai! Força!... Você consegue! Acredita!”



Fechei os zóio! Saiu até lágrima! Mas nessa hora, o bicho desceu duma vez! O filho da mãe puxou o pai e foi tão rebelde que resolveu grudar nos meus pentelhos retais, mas com a velocidade de sua saída, me provocou a primeira depilação anal da história...

Não sei se pulei nesta hora ou logo em seguida quando senti a tal famosa “sensação profunda”...


Após o refresco provocado pelo mergulho de meu atleta, logo em seguida veio os irmãozinhos, mas a porta já estava aberta e foi só felicidade...


Rebelde este menino! Rebelde e anarquista, pois pichou todo o vaso durante a descarga, enquanto descia rodando... E o caçulinha era mais rebelde ainda porque tive que encher a caixa d’água várias vezes, pois o filho da mãe sempre voltava...

Agora o dia já raiou e, após a experiência consumada, parabenizo todas as mulheres, sejam as guerreiras, ou as mais delicadas, pois agora sei que o mundo lhes pertence.


E é com este pensamento que despeço-me de vocês caros amigos e rumo como filho pródigo à casa de minha solene, angelical e amada namorada, para lhe pedir dinheiro pra voltar pra casa, pois gastamos tudo o que dona Benedita nos deu com cerveja.



Atenciosamente, Jorge...



A dor do parto sensibiliza o homem...

terça-feira, 13 de julho de 2010

As Crônicas de Valdo

Oi! Você conhece o Valdo? Talvez ele more em sua cidade, seu bairro e até mesmo quem sabe, na sua rua! Valdo não teve internet, jogos on-line, blogs ou e-mails.
Mas conseguiu fazer de seu pequeno mundo um ótimo recanto de histórias...


A PROFESSORA




Cursava a oitava série pela segunda vez, não, nunca fui um repetente, mas naquela época aprendia com os amigos que o sabor das loiras geladas nas quintas e sextas na esquina da Julio de Mesquita com General Osório, era bem mais gostoso que o cheiro de giz e análise sintática. Isso culminou em minha primeira desistência em um ano letivo.

Posso dizer que durante o tempo que estudei, tive vários professores que marcaram minha vida. Para mim é uma das profissões mais nobres que existem, principalmente em nosso país que tanto desvaloriza esse profissional e muitos acabam exercendo essa profissão por ideal e não apenas oficio.

O ano em questão marcou muito, não só pelas músicas da época – ainda tocadas até hoje, mas pela amizade inocente que tínhamos. Amigos que existem até hoje, no meio de tantos que conhecemos posteriormente, mas sem as mesmas raízes e histórias para contar.

Tivemos ótimos professores neste ano e em sua maioria do sexo feminino. Todas eram jovens e uma delas – a que lecionava história – tinha o costume de se sentar sobre sua mesa, de perfil e com uma das pernas sempre acima da outra exibindo suas belas curvas.

Vivia literalmente “babando” naquilo e católico de carteirinha, condenava meus impulsos tendo que me confrontar com meu subconsciente, até que um amigo dissesse que se acabava no banheiro durante o intervalo após assistir suas aulas.

Isso foi um alivio, não era o único “monstro” da face da Terra, e nem chegava a conseqüências de fazer “sexo manual” com ela, como meu amigo. Mas foi bom saber que não era o único que a desejaria em uma cama, embora talvez nem soubesse ao certo o que fazer se um dia essa oportunidade chegasse.

Mas não é dessa professora que falarei a seguir, aliás sempre fui muito “do contra”: Enquanto dizem que o vermelho nas mulheres enlouquece os homens, sou apaixonado por mulheres que vestem branco. Enquanto admiram e sonham com musas do carnaval, suas curvas e silicones além é claro as “magrinhas” do mundo fashion, prefiro as mulheres comuns, com seus defeitos e qualidades, desde que natural.

Por isso que a professora citada não era a de História, com sua exuberância e pernas que me quebrariam em dois, mas uma baixinha, também de coxas grossas que lecionava matemática...

Seu nome era Helena. Não, não mesmo! Não sou fã do Manoel Carlos e essa pessoa era real.

Com cabelos ondulados até acariciar os ombros, pequenas sardas no rosto e olhos negros com cílios avantajados, Helena possuía uma paciência de monge. Nunca alterava seu tom por mais que a provocassem e até eu – revoltado com uma de suas difíceis tarefas – fui surpreendido com o tom carinhoso de sua resposta após uma reclamação áspera.

Nunca a vi gritar, embora muitos alunos de quinze anos com mentalidade de sete merecessem. Sempre piscava duas vezes em velocidade lenta antes de responder à uma “ofensa” e tinha milhares de defensoras em seu nome em nossa classe.

Comecei a achar que talvez fosse solitária, que houvesse vazio em sua vida a ser preenchido. Apesar de ser quase dez anos mais novo, sempre fui alto desde a adolescência e isso me fazia pensar que poderia ser este homem que ela tanto precisava.

Este é mais um dos “defeitos” que possuo em relação aos outros homens – gostar de mulher mais velha. Descobri isso já no primário, quando percebi que o carinho que sentia pela minha primeira professora me causava arrepio, aumento de batimentos e dificuldades de “fazer pipí”.

Talvez Helena precisasse de mim para colocar os garotos bagunceiros em seu lugar. Para levá-la para sair e depois deixá-la em casa. Para um beijo em sua porta e depois partir cheio de alegrias – a pé, é claro, pois só fui aprender a dirigir seis anos depois e ter um carro em sete.

O ano voou e matemática era minha matéria predileta. Adorava ver sua paciência em esperar os alunos retardatários antes de apagar a lousa, sentando-se na quina de sua mesa, efeito que esticava sua calça jeans e realçava a marca de sua calcinha – Ah! Talvez coubessem duas professoras de história dentro dela.

Fui o primeiro da classe em sua matéria – e em terminar logo de copiar as tarefas do quadro negro. Antes do quarto bimestre, estava aprovado e mesmo assim não perdia nenhuma aula posterior e me orgulhava em exibir as notas subseqüentes que não mais se faziam necessárias.

Com as férias, não pude ver mais a professora e suas piscadas suaves dominavam meus sonhos.

De tanto desejar, um encontro repentino finalmente aconteceu:

Estava no centro da cidade, era Office-Boy e esperava o semáforo de pedestres liberar a principal avenida daquele local, quando a vi deixar o banco que era o meu destino e também aguardar a troca de luzes para vir em minha direção.

Não havia me visto de imediato e quando olhou para mim, o tempo pareceu parar e os breve minutos do semáforo pareceram-se horas.

O som de uma canção romântica do Cutting Crew tocava em minha mente, sendo interrompida brutamente como se alguém tivesse puxado o braço da vitrola:

Um homem claro, franzino e com uma breve calvície deixou o mesmo banco, chegando à faixa de pedestre e a puxou pelo braço.

Apesar do movimento de um horário de pico, pude ouvir claramente sua voz:

“Vamos logo! Não tenho o dia inteiro!”

Helena olhou para mim e os olhos negros e brilhantes tornaram-se tristes. Arregalou-os numa velocidade jamais presenciada e fez-me um sinal negativo com a cabeça como se me implorasse para não fazer algo:

“Anda! Parece uma lesma!” – disse o rapaz, que parecia zangado.

Helena deu-lhe as mãos no momento que o sinal abriu. Bárbara foi a brutalidade com alguém que sempre presenteou seus inferiores com sabedoria e ponderância, que fiquei inerte, atrapalhando quem passava até que o semáforo fechasse novamente.

Acho que chegaram a passar por mim, mas a cena que vi foi outra. Era como se o rapaz lhe tivesse desferido um soco que a fizesse ir ao chão. Em seguida dado vários chutes na barriga e por fim grudado-lhe os cabelos e a arrastado escada acima até sumir na entrada da agência.

Na verdade sumiram na multidão como um fantasma e nunca mais a vi novamente, principalmente por ingressar no segundo grau e mudar de colégio.

Hoje muitos anos passados, posso dizer que sou um homem feliz. Não sofro mais por ninguém, pois meu coração está quase totalmente falecido devido a tantos golpes impiedosos que levou durante sua saga romântica.

E é do fundo desse meu coração em necrose que desejo à Helena que também seja feliz onde quer que esteja.

Querem saber? Desejo nada!

Quem mandou escolher o cara errado?




Arte: Paula Frade

segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Ximbica

Trecho de "As Crônicas de Valdo"




Infelizmente este termo não era usado em função de seu significado, mas de forma ofensiva. Da mesma maneira que alguém possa chamar alguém de rebento, associando-o a algo nojento.



Ela era de poucas palavras, aliás, pouco associável. Apesar de seus costumes chamarem a atenção, era incapaz de causar comoção à sua volta além de provocar repulsa aos adultos e até mesmo medo nas crianças.

Ximbica fora um apelido posto por alguém que se mantém anônimo à alguém que possuía um e o seu era Maria, embora quase ninguém fizesse questão de lembrar.

Jamais saberemos o nome do iníquo – talvez de seus discípulos – numa peculiar tradição tupiniquim de alcunhar pessoas por seus defeitos, mesmo que inócuos, realçando-os ao extremo e fazendo-os tomar por completo o espaço das virtudes.

Maria Ximbica – nome de batismo, sobrenome imposto pela pseudo-criatividade – era uma pessoa humilde, de faceta fechada e realçada pelas rugas.

Seu barraco, em um terreno dominado pelo brejo, soava às crianças como mal-assombrado – talvez por idéia de uma cuidadosa mãe, isso nunca saberemos ao certo – de tentar evitar que seu prodígio molestasse a pobre velha, ou se sujasse nas lamas de seu pântano. A bruxa não possuía caldeirão, nem cozinhava as pessoas, mas usava um penico para lavar sua roupa.

Aos adultos apenas restava a pena. Não por compaixão, mas repulsa travestida em piedade. O dó dedicado aos inferiores, que serve para enaltecer os comedores de mortadela e arrotadores de peru.

A tristeza transpunha a alegria, pois apesar de viver em um barraco, seu bairro não era favela. Assim fosse, seus vizinhos se julgariam semelhantes e sua casa não assustaria crianças à noite e nem causaria vergonha aos pais durante o dia.

Pegar uma bola em seu terreno era um risco mortal. Principalmente se seu histórico, tivesse se chocado com as sustentações de seu teto. Mais seguro era atirar pedras – não teríamos que buscá-las de volta.

“Sempre vá você! E antes que a bruxa saia!”

Uma bola rasgada com tesoura doeria em nossa barriga e soaria de sua parte como estripamento, e por outra como vingança por ausência de dias tranqüilos. Mas essa ameaça era insuficiente, pois seu erro já viera na natalidade. Os incomodados que se mudem e deixe os incomodadores em paz.



“Se não quer bola em seu terreiro, que faça um muro!...”



O lado próximo ao seu quintal era sempre o melhor para se brincar. A tal ponto de contrariar a ordem dos pais, pois o delito possui mais sabor e o aparecimento da bruxa, – eterna intrusa da rua mesmo tendo chegado antes – seria um arauto para castigos vindouros.

Por muitas vezes apanhei e a vingança eram as pedras. Mas não adiantava as executar em horário que os pais estivessem em trabalho, pois a maquiavélica as guardava para entregar aos nossos e o castigo vinha em peso dobrado.

A bruxa invadiu meus pesadelos. E também minhas diversões em frente à TV, no seriado mexicano em que ocupava o “apartamento” 71.

O mal deixa raízes e todos víamos na forma de minha prima birrenta, que apelidávamos de “manteiga derretida”.

Ela parecia cevar, pois sempre a chamava em sua casa para lhe dar pedaços de bolo de fubá, que só a tonta comia, pois não éramos bobos de comer um bolo envenenado...

Mas minha prima não naufragou em seu pântano, muito menos foi transformada em sapo, ao contrário cresceu, teve belos filhos, os trata com muito amor e não depende de ninguém.

Assim como a velha Ximbica, que até os fins de seus dias viveu sem incomodar os parentes, fazendo seus bolos de fubá e lavando sua roupa no penico...