segunda-feira, 12 de julho de 2010

A Ximbica

Trecho de "As Crônicas de Valdo"




Infelizmente este termo não era usado em função de seu significado, mas de forma ofensiva. Da mesma maneira que alguém possa chamar alguém de rebento, associando-o a algo nojento.



Ela era de poucas palavras, aliás, pouco associável. Apesar de seus costumes chamarem a atenção, era incapaz de causar comoção à sua volta além de provocar repulsa aos adultos e até mesmo medo nas crianças.

Ximbica fora um apelido posto por alguém que se mantém anônimo à alguém que possuía um e o seu era Maria, embora quase ninguém fizesse questão de lembrar.

Jamais saberemos o nome do iníquo – talvez de seus discípulos – numa peculiar tradição tupiniquim de alcunhar pessoas por seus defeitos, mesmo que inócuos, realçando-os ao extremo e fazendo-os tomar por completo o espaço das virtudes.

Maria Ximbica – nome de batismo, sobrenome imposto pela pseudo-criatividade – era uma pessoa humilde, de faceta fechada e realçada pelas rugas.

Seu barraco, em um terreno dominado pelo brejo, soava às crianças como mal-assombrado – talvez por idéia de uma cuidadosa mãe, isso nunca saberemos ao certo – de tentar evitar que seu prodígio molestasse a pobre velha, ou se sujasse nas lamas de seu pântano. A bruxa não possuía caldeirão, nem cozinhava as pessoas, mas usava um penico para lavar sua roupa.

Aos adultos apenas restava a pena. Não por compaixão, mas repulsa travestida em piedade. O dó dedicado aos inferiores, que serve para enaltecer os comedores de mortadela e arrotadores de peru.

A tristeza transpunha a alegria, pois apesar de viver em um barraco, seu bairro não era favela. Assim fosse, seus vizinhos se julgariam semelhantes e sua casa não assustaria crianças à noite e nem causaria vergonha aos pais durante o dia.

Pegar uma bola em seu terreno era um risco mortal. Principalmente se seu histórico, tivesse se chocado com as sustentações de seu teto. Mais seguro era atirar pedras – não teríamos que buscá-las de volta.

“Sempre vá você! E antes que a bruxa saia!”

Uma bola rasgada com tesoura doeria em nossa barriga e soaria de sua parte como estripamento, e por outra como vingança por ausência de dias tranqüilos. Mas essa ameaça era insuficiente, pois seu erro já viera na natalidade. Os incomodados que se mudem e deixe os incomodadores em paz.



“Se não quer bola em seu terreiro, que faça um muro!...”



O lado próximo ao seu quintal era sempre o melhor para se brincar. A tal ponto de contrariar a ordem dos pais, pois o delito possui mais sabor e o aparecimento da bruxa, – eterna intrusa da rua mesmo tendo chegado antes – seria um arauto para castigos vindouros.

Por muitas vezes apanhei e a vingança eram as pedras. Mas não adiantava as executar em horário que os pais estivessem em trabalho, pois a maquiavélica as guardava para entregar aos nossos e o castigo vinha em peso dobrado.

A bruxa invadiu meus pesadelos. E também minhas diversões em frente à TV, no seriado mexicano em que ocupava o “apartamento” 71.

O mal deixa raízes e todos víamos na forma de minha prima birrenta, que apelidávamos de “manteiga derretida”.

Ela parecia cevar, pois sempre a chamava em sua casa para lhe dar pedaços de bolo de fubá, que só a tonta comia, pois não éramos bobos de comer um bolo envenenado...

Mas minha prima não naufragou em seu pântano, muito menos foi transformada em sapo, ao contrário cresceu, teve belos filhos, os trata com muito amor e não depende de ninguém.

Assim como a velha Ximbica, que até os fins de seus dias viveu sem incomodar os parentes, fazendo seus bolos de fubá e lavando sua roupa no penico...

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