quarta-feira, 14 de outubro de 2009

É o fim cara!

Trecho de "As Crônicas de Valdo"

Pobre Igor!... Também, quem mandou ir trabalhar logo com Pedroso – o Ascoso? Contudo sua lamúria iria deixar de ser um jargão pessoal para se tornar um bordão profissional.
Bastava algo não ocorrer da maneira esperada para a sirene melancólica soar partindo o coração mais caridoso:
– O pagamento veio pouco...
– É o fim cara!...
– Teremos que trabalhar no feriado...
– É o fim cara!...
– O frio está de matar...
– É o fim cara!...
Fim de festa, de feira, de carreira, não importava. Pedroso, o ascoso tornaria o dia do pobre Igor o pior a cada jornada. Seu talento nato viria dos primórdios da infância, desde inocentes retiradas de tatu do nariz para colar sob a carteira, até roçar o traseiro de mulheres em ônibus lotados na adolescência.
Apesar de a fase adulta lhe proporcionar novas experiências, ainda guarda velhos hábitos em nome da tradição. Então caro leitor, não se surpreenda se o vir por aí ainda tirando tatu, agora com nova ferramenta – a unha do dedo mínimo, que deixa crescer até alcançar o anular, geralmente em rodas de bar onde seu assunto predileto são os dotes de esposas alheias.
Execrável! Rabeira da humanidade. O tempo passa, seu ego fica.
Exclua-se Pedroso. Jamais o Ascoso.

Na era digital, seria famoso em redes virtuais por filmar genitálias femininas com aparelho celular oculto em locais de grande fluxo para exibir para semblantes em repulsa. Na vida real, sua miopia mental o impede de reconhecer o avanço da idade, e o excesso de botox mental não deixou espaço para a sabedoria, achando-se galanteador nível adolescente e sufocando de aversão as que abandonaram a fase colorida da vida.
A beleza do brinco foi oculta pelas rugas e os cílios grisalhos que lhe saltam pelas grutas nasais, impedem-lhe o olfato, sendo quase obrigado a encostar o órgão em seu alvo.
Alimentar-se ao seu lado era uma experiência inesquecível, de frente antológica.
No café, era o pingado que se misturava ao bigode, no almoço era sua mandíbula mastigando com a boca aberta – girando em sentido horário e sua ponte móvel em outro.
Tornou-se especialista em se aproximar das pessoas na hora das refeições, pois todos queriam sentar-se ao seu lado, evitando tornarem-se expectadores de sua ponte dançando brake misturada a pasta de arroz.
Memorável sua procura dentro da cumbuca de feijão, após queda acidental e feliz sua esposa que durante um cochilo ao sofá, a colocava de volta em sua boca.
Agora formava uma dupla de sucesso com Igor. Sucesso desses que muda a vida do astro e o torna infeliz. O dinheiro não é tudo, nem mesmo as metas de vendas. Mas sua ausência ao fim de um dia de trabalho costuma provocar excessos de fúria em superiores:
– Foi mal de novo Igor?
– É o fim cara!...
– Cadê o ascoso?
– Está lá sentado no colo do homem...
Ou o sinal de falta de perspectivas:
– Desanimado Igor?
– É o fim cara!...
– O que foi desta vez?
– A cada cliente é um café e três cigarros. E sou eu quem tem a obrigação de limpar o carro.
De torcicolo indiagnosticável, incapaz de apreciar a beleza feminina de relance, tendo de se postar sobre elas.
Sua rédea eqüina com tapa de mula, o impede de ver sua crina, mas não a cauda alheia. De humor controverso, acha graça onde não há graça e é arisca o suficiente para açoitar em coice os menos avisados.
Um breve e singelo retrato de alguém que insiste em ser presente em alguém que deveria emigrar do passado.
O superior chama, Igor desistiu da vida e não mais servirá a empresa.
Eu serei seu substituto...
É o fim cara!...




trecho de "As Crônicas de Valdo"